sábado, 19 de maio de 2012

Relatório de viagem - Índia (Novembro/2000)


Oi, pessoal!

Creio que muitos de vocês me perguntaram sobre as minhas impressões da viagem que eu fiz para a Índia. Os textos abaixo são partes do meu diário de viagem; haverá muitos erros de português e muitas coisas repetidas mas, de qualquer forma, eu desejo uma boa leitura para vocês.

Abraços,

Helio Fujimoto.

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Bangalore, 22 de novembro de 2000.

Se alguém adivinhasse a que horas estou escrevendo aqui, achariam que estou louco. Pois é, estou trabalhando. Agora são 4 e meia da madrugada, e há algumas horas consegui fazer o equipamento funcionar na linha. O único problema é que estamos presos no prédio, queestá trancado. Então, tenho de ficar esperando até o prédio abrir as portas, às 6 da manhã.

Não pude conhecer a Índia tão bem quanto eu gostaria, principalmente o povo daqui. Eu hospedei-me em hotéis de 5 estrelas, um negócio totalmente fora da realidade, quando se vê ao redor da cidade, onde a maioria das pessoas vivem em pobreza. Não comi muito das comidas típicas daqui (o meu estômago não se acostumou com isso), mas eu comprei muitos souvenirs (devido à insistência dos vendedores, odeio ver pessoas tentando empurrar coisas para eu comprar), e deu para tirar algumas fotos. Depois de uma semana me acostumando com o jeito do país, a estadia aqui está até agradável.

No domingo eu tive a primeira experiência fora da minha fortaleza (o hotel). Logo na saída do hotel, um motorista de uma "lambreta de três rodas" veio me oferecer um passeio pela cidade, e ele não aceitava um não como resposta. Acabei fugindo dele. Após andar bastante em Bangalore, tentando encontrar o palácio do governo, vi-me perdido, sem saber que direção tomar. Passei por alguns becos da cidade, e realmente é deprimente ver a situação das ruas, do povo. Apesar disso, as cidades não são tão ruins assim, como eu imaginei que fosse.

O trânsito, realmente, é muito, mas muito pior que o de São Paulo; não muito por causa dos congestionamentos (já vi alguns em Bangalore: até mesmo as motocicletas ficam paradas), mas, principalmente por causa do modo como as pessoas dirigem: não obedecem à linha que separa as mãos quando elas existem (quanto mais as faixas), ficam buzinando o tempo todo e, por isso, o trânsito aqui é um verdadeiro caos; não sei como conseguem viver em um trânsito desses. Os carros daqui são em sua absoluta maioria bastante velhos e amassados. Há muitas motocicletas, e a maioria dos táxis são veículos de um tipo que só vi na Índia, eu acho: parecem lambretas modificadas, com duas rodas atrás e uma cabine. Só vendo mesmo para acreditar. No domingo, eu vi umas vacas atravessando a rua, e vi o trânsito parar por causa deles.

Quando eu me vi perdido e sem saber para que direção ir (tinha esquecido o mapa e as ruas não tem uma sinalização muito boa), não tive outra alternativa senão pegar um desses táxis. O motorista era malandro que só, mas, apesar disso, não fiquei com muita raiva dele; só pena, talvez. Ao invés de me levar ao hotel, ele levou-me a uma loja de souvenirs, e depois a uma outra, e depois a uma outra. Acho que ele ganhava comissão, não é possível! Depois de muito insistir, eu acabei cedendo: fui em um e gastei uma pequena fortuna em lembranças da Índia. Acho que valeu a pena, estava precisando comprar alguma coisa, mesmo. Mas o vendedor era daqueles tipos que pechinchava: tinha um cachecol de caxemira que custava 27 dólares. Recusei-o, e o vendedor ficou insistindo, insistindo, até abaixar o preço para 20 dólares. Cansei de tanta insistência e acabei comprando. É terrível!

Mas ao menos eu vi algumas coisas bonitas: os hotéis onde eu me hospedei são uma atração à parte. O palácio do governo da cidade é muito lindo, e tem um parque ao redor bastante agradável. As lembranças que eu comprei também são umas peças de arte... Não vi muitas igrejas, mesquitas ou templos hindus; alias, vi mais igrejas cristãs (católicas e protestantes) do que templos hindus. Perto do hotel tem um templo da religião sikh, que é uma mistura de um monte de religiões. Eu creio que a quantidade de cristãos nas regiões onde passei não é desprezível, mas eu não tenho certeza ainda de como é o cristianismo do povo daqui. Tinha vontade de saber isso.

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Mumbai, 25 de novembro de 2000.

Neste momento, estou no aeroporto tentando fazer o tempo passar até que eu tome o avião para o Brasil. Vai ser mais umas 24 horas de viagem, mas vamos ver se eu chego ao Brasil tão acabado como quando eu cheguei na Índia. Espero que não, pois tenho um monte de coisas para resolver depois disso.

Eu devo ter descrito algumas coisas que eu tenho visto na Índia, mas só contei a metade. A outra metade vou tentar contar na viagem de volta, quando eu estiver sem nada mais interessante para fazer.

Os indianos são um povo hospitaleiro e atencioso, isso eu pude perceber. Às vezes, até demais, e, nisso, parecem-se muito com os brasileiros. Na saída do aeroporto, alguns deles simplesmente não largavam do meu pé, querendo oferecer os seus serviços para mim. Quando eu tinha trocado para dar gorjetas, até vai. Mas, ao me transferir do terminal doméstico para o internacional de Mumbai um senhor ficou me enchendo até o ônibus, e eu quase que perdi a paciência com ele. Ah, o pessoal enrola muito aqui, também: o que puderem fazer para te extorquir eles fazem. Eu vi isso em quase todos os lugares. É perigoso generalizar, e eu talvez esteja mesmo sendo injusto. Nos distribuidores e nos clientes, por exemplo, o pessoal me tratou muito bem.

Eu acho que a pobreza tem a ver com isso, também: mais como consequência do que como causa. A corrupção aqui também parece ser tão ou mais presente na vida deles quanto no Brasil. Além disso, eu presumo que a fome pode levar as pessoas a fazerem o que for possível para ter o que comer. É por isso que não senti muito o fato de ter sido enganado algumas vezes. Eu só peço a Deus que tenha misericórdia deles.

A divisão da sociedade em castas não foi explícito, como eu pensei que fosse. Oficialmente, a Índia é um país secular e, neste país, existem três religiões principais: o Hinduísmo, o Islamismo e o Cristianismo. A lei tenta se conformar com estas três religiões: por exemplo, a legislação permite a poligamia, que é aceita pelos muçulmanos, mas não pelos cristãos e hindus. Oficialmente, parece-me que todos têm o mesmo direito perante a lei, como em qualquer democracia moderna. Mas eu vi uma divisão social bastante forte aqui, até mais que no Brasil. Por exemplo, eu lidei mais com os engenheiros e gerentes, pessoas consideradas de classe média lá. Existem as pessoas que servem café, por exemplo, que são mais humildes e mais mal-vestidas, que parecem ser tratadas como escravos ou animais. Não existe amizade, só são chamados para servir e não recebem nem mesmo um obrigado. E isso parece ser completamente normal ali. Dentro de uma empresa dá para ver claramente esta divisão: os servos nem mesmo esperam que você agradeça.

Existe muita pobreza, mesmo, na Índia. Eu fui para a maioria das cidades principais, e dá para ver que, por exemplo, a maioria das pessoas que vejo passando pelo caminho andam descalças. A maioria das construções são mal-conservadas, existem pilhas de lixo por todo o lado, há vacas, cachorros, porcos e cavalos passeando pelas ruas e comendo lixo (não, não vi elefantes!). As pessoas urinam nos muros, muitos vivem nas ruas, muitas, mas muitas pessoas pedem esmolas pelas ruas, um quadro até mais deprimente do que aquilo que se vê em São Paulo. É claro que tambim existem pessoas afluentes aqui, mas a pobreza é simplesmente gritante: não dá para esconder. Eu não pude deixar de notar isso, mesmo hospedando-me em hotéis de 5 estrelas e percorrendo o percurso hotel-escritório-hotel, todos os dias.

Um lugar que me marcou bastante nesta viagem foi em um escritório em Chennai, de uma empresa estatal de ferrovias. Eu estava com a barriga ruim e perguntei se eu poderia ir ao banheiro. Falaram que era melhor eu aguentar um pouco e não ir, mas, como eu já tinha visto banheiros muito ruins em São Paulo, não dei ouvidos. O que eu vi foi inacreditável: O cheiro era insuportável, e urinar ali era equivalente a urinar em um muro qualquer. O assento não existia: sós tinha um buraco, e você tinha de se agachar para fazer as necessidades. Não é nem preciso dizer que não tinha papel.

A Índia tem várias peculiaridades, mas não é tão exótica como eu pensei que fosse. Por exemplo, a comida. Eu muitas vezes ficava imaginando o que seria de mim se ficasse duas semanas sem comer carne. Não era tão ruim assim: eles só não comem carne de vaca. Normalmente os cardápios oferecem as opções vegetariana e não-vegetariana. A cozinha indiana inclui frango, peixe, carneiro e frutos do mar, mas muitos preferem uma dieta vegetariana por motivos religiosos. O que eu não consegui me acostumar na cozinha indiana foi o tempero. Parece que eles colocam pimenta em tudo, e mesmo selecionando o cardápio para não pegar algo apimentado, sempre é necessário ter mais de um copo de água do lado para acompanhar. Não sei se foi por causa disso que eu passei mal no começo da viagem. No final, depois de comer só coisas leves, a minha barriga melhorou e comecei a aventurar-me novamente em comer algo típico. Mas a cozinha indiana é bastante variada, também, e, dependendo do lugar da Índia em que você esta, o tipo de tempero usado é diferente. Para mim, porém, não há diferença entre um e outro "apimentado". Mas achei algumas coisas ali que eu gostei...

Ironicamente, o país mais pobre que eu visitei foi também o país onde eu me hospedei nos melhores hotéis. como eu falei, eu até fiquei um pouco constrangido por isso, e senti-me tentado a recusar. O lugar onde eu dormi era algo completamente fora da realidade e, para dizer a verdade, durante toda a viagem eu não consegui identificar-me com as pessoas simples, que não se hospedavam em hotéis, não andavam de táxi e não jantavam por 20 dólares. Senti-me completamente alienado da realidade, e as pessoas que me acompanhavam faziam questão de tentar minimizar o choque que eu sentiria em enfrentar o povo como eles eram. Mas só de olhar a realidade já foi um choque.

A língua foi algo bastante interessante. Eu comuniquei-me totalmente em inglês, e não tentei nem arriscar alguma coisa na língua local. Alias, qual língua local? Por onde eu passava, a língua local mudava, mesmo a escrita fosse completamente diferente em cada lugar que eu passei. Apesar de a língua oficial ser o hindi, falado no norte da Índia, nem todos falam esta língua, e as pessoas de lugares diferentes da Índia costumam comunicar-se em inglês. O inglês deles foi bastante difícil de entender, no começo, embora não consiga descrever exatamente o por quê. Eu tive dificuldades, mas, com o tempo, passei a acostumar-me com o jeito deles falar, e daí foi mais fácil. O meu contato falava um inglês muito bom, e não tive problemas em comunicar-me com ele: alias, muitas vezes ele foi o meu tradutor do inglês local para o meu inglês. Não sei se eles falavam mal de mim quando conversavam um com o outro na língua Hindi; no entanto, o meu contato sempre falava nesta língua como se estivesse gritando ou dando bronca para alguém; não sei se a língua em si tem é "agressiva", como o alemão, ou se ele realmente estava mesmo sendo rude com os empregados.

Outra coisa interessante: embora não esteja acostumado a gastar muito em souvenirs, desta vez comprei bastante, acho que gastei uns 150 dólares nisso. Os vendedores aqui têm uma prática muito diferente dos brasileiros ou dos americanos e, neste ponto, lembram-me os vendedores árabes. A pechincha como forma de negociação é algo bastante normal ali, e eu particularmente não gosto disso: prefiro ver o preço da etiqueta e pagar o que está la. Eu comprei um cachecol de caxemira, mas o vendedor teve de baixar o preço de 27 dólares para 20 dólares. E não sei na verdade se ele podia baixar mais... Na minha bagagem não vai faltar elefantes... Na Índia ha muitas estátuas de deuses, daqueles em posição de lótus e com vários braços; como o meu Deus é invisível, preferi ser seletivo nas minhas escolhas. Fora isso, várias esculturas em marfim, sândalo, almofada de seda, um vestido típico e mais algumas bugigangas para completar. Recebi um Taj Mahal de presente do funcionário da empresa que me acompanhou; mas ele quebrou durante a viagem. Vou tentar juntar os pedaços assim que eu chegar ao Brasil.

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Paris, 25 de novembro de 2000

Neste momento, acabei de chegar em Paris, e estou esperando pelo vôo para São Paulo, que vai sair daqui a mais ou menos 1 hora. Que diferença, que dá para notar no aeroporto. Nem é preciso dizer que o vôo foi muito mais tranquilo.

Voltemos à Índia: eu tive muitos problemas em termos de comunicação. A ligação internacional custava aproximadamente 4 rúpias por segundo, algo em torno de 6 dólares por minuto. Nem tive coragem de falar com os meus pais, com um preço desses. O acesso à internet foi escasso, e, embora os hotéis tivessem um provedor de internet dentro, o preço também era exorbitante; como eu tinha de usá-lo de qualquer maneira, eu tentei racionalizar o acesso. Mesmo assim, fiquei muitos dias sem poder enviar ou receber e-mails. Um outro problema que eu tive foi com a tomada, que não era compatível com o do meu notebook; algumas vezes, um adaptador estava acessível, e em outros, não. Acabamos fazendo uma gambiarra para fazê-lo funcionar. Os indianos também têm um pouco do "jeitinho brasileiro" ...

Como eu tinha dito, os hotéis onde eu me hospedei são um mundo à parte; entrando neles, não se tem a impressão de que você esta em um país pobre; tudo é de primeira qualidade, inclusive o preço. Parece que eles ganham rios de dinheiro, não é possível: Quando eu fiz o check-out, percebi na conta que o café da manhã não estava incluído; falei sobre isso para o atendente, e ele simplesmente falou: "não tem problema!". As entradas dos hotéis são simplesmente esplêndidos, no último hotel em que eu me hospedei, a piscina era enorme! Eu não sei se o contador da empresa vai cair de costas ao ver a conta, pois se a conta saísse do meu bolso, eu cairia duro.

No último dia, eu fui dar uma volta pela cidade de New Delhi, e tive uma ideia de como é o centro da cidade. O centro da cidade tinha um tráfego intenso, maluco, mesmo. Eu tentei atravessar a avenida e, além de quase me atropelar, o motorista ainda me xingou, pode? O parque principal da cidade era cheio de gente (em sua maioria mendigos), e muito mal cuidada. Tinha um mercado subterrâneo debaixo do parque; eu diria, uma 25 de março piorado. Apinhado de gente, com um monte de vendedores gritando ao mesmo tempo, e muitos tentando insistir para que eu entre, como sempre (depois das experiências que eu tive, a minha reação a este tipo de vendedor estava sendo o de evitá-los o máximo possível). Entramos em uma loja do governo, onde os funcionários não me enrolaram, e os preços eram populares; em compensação, o atendimento era de funcionário público. Eu comprei um vestido típico e alguns souvenirs ali. Depois disso, fui dar um passeio pela sede do governo da Índia e, mais uma vez, não parecia que estava em um país pobre. Todas as ruas eram bem-cuidadas, os prédios eram de impor respeito e o trânsito não era muito intenso, algo completamente diferente dos arredores do escritório do distribuidor, por exemplo.

O trânsito, ah, o trânsito. Eu achei que nunca conseguiria dirigir em São Paulo, e consegui. Mas acho que nada poderia fazer-me arriscar a dirigir em algum lugar da Índia, principalmente na capital, onde o trânsito é terrível. Existem congestionamentos, sim, como em qualquer cidade grande, mas lá, mesmo as motos ficam sem poder se mover. Percebi que muitos motoristas não respeitam nem mesmo a "faixa amarela" (que lá não é amarela), muito menos as brancas; alguns carros ficam mesmo no meio da faixa. A buzina é muito usada ali, e os carros têm escrito na traseira algo como "sound horn", "blow horn - OK", etc. Em um congestionamento, o barulho é quase insuportável. Eu até tenho pena dos que tentam ainda colocar alguma ordem neste caos, pois é difícil. A maioria dos carros são velhos, e mesmo os novos (como o do meu contato na Índia) parecem velhos, por já ter várias batidas. Muitas pessoas usam motocicletas. Eu vi alguns ônibus (bastante velhos, por sinal), mas parece-me que poucas pessoas a utilizam, talvez isso também seja muito caro para eles. Existem uns táxis na Índia que não tenho visto em nenhum outro lugar; parecem lambretas, com três rodas e uma carroceria. O motorista fica na frente, e atrás cabem até 3 pessoas. Foi ali que eu fui enrolado no preço da corrida. O motorista, ao invés de me levar ao hotel, levou-me para fazer compras, e, embora eu recusasse, acabei cedendo depois de tanta insistência. Depois de me levar ao hotel, ele me deu um preço que deve ter sido o ganho de um dia inteiro para ele. Só espero que ele use bem o dinheiro.

Apesar da pobreza, muitos indianos ainda fumam, inclusive o meu companheiro de viagem. A diferença é que aqui eles não vendem por maço, eles vendem por unidade. As cidades da Índia estão cheias de barracas do tipo "malocas", vendendo de tudo; mas eu fui desaconselhado a comprar qualquer coisa dali. Outra coisa que me desaconselharam foi beber água de torneira: a única agua que eu poderia beber era agua mineral.

Apesar da pobreza e da mendigagem, não vi muita violência nas cidades. A religião deles talvez incentive a não-violência, não sei ao certo. As pessoas que estão em uma situação indigna de um ser humano parecem se conformar com a situação deles, e não se revoltam, reagindo à injustiça que é a sociedade indiana. A maioria das pessoas que vi passeando pelas ruas têm o rosto de sofrimento, são poucos que devolviam o sorriso que eu enviava. É claro que nas empresas que eu visitei e nos hotéis isso foi diferente, o pessoal me tratou muito bem.

Apesar de a Índia ser um país predominantemente hindu, eu percebi muita presença cristã nas cidades, principalmente as do sul da Índia. Em Chennai eu vi várias igrejas, algumas católicas e outras protestantes. Em Bangalore, tinha uma igreja bem perto do hotel, que eu só não visitei porque já era tarde demais quando eu passei por la. No caminho do hotel para o aeroporto, eu também vi a Sociedade Bíblica da Índia e um centro de treinamento (algo como um seminário). Vi vários carros com adesivos com versos bíblicos e muitos escritos "Jesus". Em Bangalore, também eu vi vários lugares com a imagens da Nossa Senhora. Eu só não sei como é o cristianismo ali, e é por isso que eu queria visitar uma igreja, ali.

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São Paulo, 27 de novembro de 2000

Os indianos tem alguns costumes que me estranharam muito, no início. O mais marcante era o modo como eles meneavam a cabeça, como se quisessem dizer "não". No primeiro dia, eu estava explicando como o nosso equipamento funcionava, e o nosso amigo ficava meneando a cabeça. Perguntei a ele se estava entendendo o que eu estava falando e, ao mesmo tempo que ele virava a cabeça de um lado para o outro, ele respondia "sim". Eu ficava imaginando o que estava errado com ele. Só alguns dias depois fui perceber que eles não querem dizer não quando eles meneiam a cabeça; mas, todas as vezes que eu via isso dava vontade de perguntar o que estava errado.

Mesmo com a pobreza que existia lá, não vi muitos sinais de violência e mesmo de prostituição: todas as mulheres lá se vestiam de uma maneira discreta (não chega a ser como as muçulmanas, que só descobrem os olhos), muito diferente do que se vê no Brasil, por exemplo. Mesmo assim, existiam mulheres muito bonitas ali, e os vestidos típicos que usavam eram coloridas e muito elegantes. Mais uma evidência que não é simplesmente a pobreza a causa de todos os males.

O cinema indiano é comparável em termos de produção apenas com Hollywood. Eles tem até mesmo o nome do lugar onde ficam os estúdios de cinema: Bollywood (nem sei onde fica). Os astros de cinema são venerados pelo público. Quando eu estive lá, não se falava em outra coisa que não fosse o rapto de um astro de cinema por um grupo terrorista: quando ele foi libertado, foi a maior festa em Bangalore. Apesar disso, os filmes que eles fazem perdem, ao meus ver, em qualidade em relação aos filmes de Hollywood, mas são bem melhores que muitos filmes brasileiros. É do tipo você vê alguns exemplares e tudo o mais que você ver é uma combinação dos que você ja viu. Mas é divertido ver alguns filmes: é uma pena que eles não são em inglês.

No hotel, eu dei uma lida em um dos maiores clássicos da literatura hindu, o Mahabaratha, considerada a Bíblia da religião hindu. Não foi a edição inteira, que é muito mais extensa que a Bíblia, mas um trecho dela em que Krishna ensina a um discípulo o caminho para alcançar o "nirvana", o céu dos hindus. Os ensinos são bastante filosóficos, do tipo Paulo Coelho. Krishna era considerado um Deus que encarnava a cada não-sei-quantos milhares de anos. Na história, ele tinha se encarnado como um membro da família real, agindo ativamente para que o bem prevalecesse. Os ensinos de Krishna envolviam o princípio do carma, da reencarnação, da unificação do espírito com ele, da meditação, da ioga, etc. Krishna pareceu-me ter uma posição bastante parecida com a de Jesus Cristo: propôs um relacionamento íntimo com ele, falava para o discípulo chamá-lo de Senhor dos Senhores, o Deus supremo, encarnou no mundo material, era considerado o Deus bom e justo, entre outras coisas.

Apesar de a religião hindu dizer que cada um recebe de acordo com o que fez na vida terrena, não existe a noção de pecado, e muito menos o de estar ofendendo a um Deus pessoal. O que existe é uma relação de causa-consequência, sintetizada na noção do carma: se eu sou uma pessoa miserável, é porque o meu arma é ruim, e devo ter feito coisas erradas nas encarnações anteriores. Não há esperança nesta vida, o remédio é apenas conformar-se com ela e esperar que na próxima reencarnação o carma melhore. Não existe a noção de um Deus amoroso que faz o que for possível, inclusive dar a sua vida, para te tirar da miséria. Não há espaço para graça, de um presente imerecido de Deus: você tem de se virar sozinho com o teu carma, e isso é um processo aparentemente sem fim de reencarnar, reencarnar, reencarnar... O modo de melhorar o carma é utilizar-se de varias praticas religiosas, a fim de ver este mundo material como uma ilusão e tornar-se cada vez mais consciente do mundo espiritual; isso é feito através da meditação, da ioga e da recitação de mantras, que têm a função de fazê-lo se desligar do mundo onde está e esvaziar-se. No mundo espiritual, o iogue "vê" uma outra realidade, com aqueles milhares e milhares de deuses que os hindus dizem existir. Só tem um problema: nem todos são bons. E, se todos os que dizem que são bons são bons mentirosos? O resultado de todos estes ensinamentos dá para se perceber no estado como a Índia está, desde 4000 a.C: realmente, não creio que se deva brincar com esse tipo de criaturas.