domingo, 30 de dezembro de 2012

Relatório de viagem [Coréia do Sul] - volta

São Paulo, 30 de dezembro de 2012

O cabeçalho acima já é um indício de que eu já estou de volta. De fato, estou mesmo.

Isso para mim foi uma grande coisa. Não só porque eu estava com saudades (muitas saudades!) da Martha e do Raphael, como também porque eu estava ansioso com relação à conexão nos Estados Unidos. Vou tentar explicar.

Nos Estados Unidos, ao passar na imigração, você recebe um canhoto para devolver na saída do país. Este seria o registro da tua saída do país. Normalmente isso é feito no check-in, na viagem de volta, mas por alguma razão isso não tinha sido feito na última vez que saí dos Estados Unidos. Só percebi isso na hora de apresentar o passaporte à imigração nesta viagem, na ida. O agente de imigração deixou-me passar, mas ele disse que eu não podia mais fazer conexão pelos Estados Unidos.

Durante a minha estadia na Coréia, eu tinha tanto trabalho a fazer que não tive tempo para ficar ansioso com este problema. Mesmo assim, eu reportei o problema à empresa logo que eu cheguei à Coréia. Esperei duas semanas para obter alguma resposta, mas não obtive nenhuma. Perguntei de novo, e o meu gerente respondeu que não achavam que eu teria problemas, e que eu poderia entrar em contato com o consulado para ter mais certeza. Este "contato" foi feito por e-mail, e a resposta deles deixou-me mais inquieto que tranquilo. O consulado direcionou-me para uma seção de perguntas e respostas da internet que dizia que eles checavam os voos de saída com as companhias aéreas, mas sugeriu que eu entrasse em contato com o departamento que lidava com a imigração. Este departamento, no entanto, respondeu-me que a minha saída provavelmente não havia sido registrada propriamente, e eu teria de devolver o papel com alguns comprovantes de que eu havia saído antes do tempo devido (e eu não tinha nenhum desses comprovantes).

Tentei entrar em contato novamente com a empresa novamente, pedindo para considerar a possibilidade de remarcar a passagem para passar por outro país. A resposta da empresa foi que seria muito caro remarcar a passagem (algo em torno de 2000 dólares) e, por isso, eu teria de voltar pelos Estados Unidos, mesmo. A única coisa que providenciaram foi uma declaração da empresa de que eu trabalhava lá. Disseram que isso deveria ser suficiente para eu passar pela imigração sem problemas.

Foi nesta situação que eu fiz a viagem de volta. As noites anteriores foram mal-dormidas, por causa da ansiedade com a possibilidade de ser barrado, preso, ter o visto cancelado, ou, quem sabe, ser deportado para o local de origem (nesse caso, a Coréia). Tentei imaginar o que eu faria em relação ao meu emprego se algo errado acontecesse. Eu tentei dizer a mim mesmo que provavelmente eu não teria problemas, mas a ansiedade falava mais alto.

Consegui terminar o trabalho todo na quinta-feira, dia 28, e saí definitivamente da Samsung Electronics neste dia, após um happy hour com a equipe que trabalhou conosco. Nesta noite, fomos a um restaurante para comer churrasco coreano e depois a um bar para comer frango frito. Foi uma noite agradável, talvez a primeira noite de trabalho sem a pressão e a cobrança que eu sentia todos os dias. Depois, voltei para o hotel, conversei com a esposa e filho, e tentei dormir.

No dia seguinte, tentei usar tudo o que o hotel oferecia, mas que não tinha tido tempo para usar antes (o hotel tinha uma academia de ginástica e um banheiro público, do tipo ofurô), e fiquei até o último minuto. Depois de fazer o check-out, eu consegui fazer um passeio à fortaleza de Hwaseong, que ficava próximo do hotel. Depois disso, voltei ao hotel, peguei as malas e fui ao aeroporto. Os meus "won"s (a moeda local, equivalente a aproximadamente um milésimo de dólar) acabaram: por isso, não pude comprar mais nada do que eu queria comprar nem do que os meus amigos tinham-me pedido para comprar.


Templo situado próximo à uma das principais entradas da fortaleza de Hwaseong (Paldalmun)



Início do trecho de serra da fortaleza, entre os portões de  Paldamun e Hwaseomun.  A muralha sobe até o topo da montanha e depois desce para a próxima entrada.

O ponto mais alto da fortaleza, de onde se pode ver toda a cidade de Suwon.  Esta construção era usada para observar  a chegada de inimigos à distância.
Portão Hwaseomun, ima das principais entradas da fortaleza.

Uma placa indicando a distância do quartel-general da fortaleza em relação a outros lugares. Note a distância ao Rio de Janeiro...

A maior igreja de Suwon, vista do muro da fortaleza

Cabeça de porco à venda no mercado do centro da cidade

O vôo de volta foi mais tranquilo que o de ida, pois eu não estava mais gripado. Na hora da imigração, eu tentei controlar a ansiedade quando o oficial de imigração checou os meus registros após tirar as minhas digitais e a foto. Quando ele verificou que estava tudo certo, eu respirei aliviado, como se um fardo tivesse sido tirado de mim. Eu continuaria a juntas as provas e levá-las comigo nas próximas viagens aos Estados Unidos, mas, por enquanto, eu estava pronto para voltar ao Brasil. A segunda parte da viagem foi ainda mais tranquila, pois o voo estava vazio e eu tinha três assentos só para mim. Isto era o que eu precisava para tirar uma soneca antes de chegar em São Paulo. Cheguei em Guarulhos no dia 29 de dezembro, às 11:30 da manhã.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Relatório de viagem [Coréia do Sul] - Fotos

Suwon, 25 de dezembro de 2012

Infelizmente, desta vez não deu para passear quase nada. Estive todo esse tempo trabalhando, trabalhando e trabalhando, sábados, domingos e feriados, de manhã, de tarde, à noite e de madrugada, porque o lançamento da linha 2013 de TVs não poderia esperar mais um pouco. Na Samsung os prazos parecem ser levados tão a sério que os desenvolvedores são intimados a trabalhar dia e noite até resolver todos os problemas. Se, sob a ameaça de um abismo fiscal no início do ano que vem, o presidente e os deputados dos Estados Unidos puderam ter um recesso de natal sem chegarem a um acordo, nós não tivemos esta moleza. Ao que parece, o lançamento da linha 2012 das TVs deve mais importante que a maior economia do planeta ...

De qualquer maneira, não tenho muito a escrever além de comentar as coisas que eu capturei nas fotos que eu fui tirando ocasionalmente. Espero que apreciem.

Helio Fujimoto.



Esta é uma árvore de Natal cheia de smartphones da Samsung, montada na entrada do COEX mall, um shopping subterrâneo localizado no distrito de Gangnam, em Seoul. Este mall expõe os lançamentos de novos produtos. Da última visita, o hall de entrada mostrava o lançamento de um novo carro de GM. Desta vez, foi a vez da linha Galaxy da Samsung.


Um pirarucu, o maior peixe de água doce do mundo, original da Amazônia. Este é um dos aquários de Seoul, localizado dentro do COEX mall, que também contém peixes ornamentais, tubarões, arraias, tartarugas, pinguins, águas-vivas, peixes-bois, e outras criaturas de água doce e salgada.

Este é o gogigui, o churrasco como é feito na Coréia. Recebemos várias variedades de carne crua, quase congelada. Sentamos em uma mesa baixa com um buraco redondo no meio, onde eles colocam brasa quente e uma grelha em cima. Nós colocamos os pedaços de carne na grelha e esperamos assar, virando de lado ocasionalmente. O churrasco coreano normalmente vêm acompanhado de alguns temperos, broto de feijão, cogumelos, alfaces, e algumas outras coisas que eu não consegui decifrar.




O bairro de Itaewon fica próximo a uma base militar americana e, por isso, tornou-se um bairro internacional, onde é possível encontrar restaurantes de várias nacionalidades: americana, japonesa, chinesa, mongol, turca, indiana, grega, italiana, francesa ... e brasileira. Esta é a entrada do restaurante Copacabana, onde nós comemos um rodízio de churrasco depois de quase um mês sem comer comida brasileira...


Entrada do Samsung Museum of Art (Leeum), um museu de arte tradicional e moderna, no bairro de Itaewon.


O kimchi é o prato tradional da Coréia, basicamente legume fermentada com pimenta. Normalmente, usa-se acelga para o processo de fermentação, mas pode-se usar outros legumes, como repolho, rabanete ou pepino. Eles preparam o legume com vários temperos antes de armazená-los em vasos de barro enterrados no solo e esperar a fermentação (nos tempos modernos, já existem geladeiras que replicam as mesmas condições ambientais para fermentação). O gosto é parecido com o de um picles apimentado: por isso, eu não consigo comer muitos pedaços. Dizem aqui que o kimchi é um alimento milagroso, cheia de fibras e vitaminas, capaz de reduzir a ocorrência de câncer.

Um trem saindo da estação de Suwon, indo em direção à estação de Seoul. O transporte ferroviário aqui é bastante eficiente e barato. Algumas estações ferroviárias, como as de Suwon, Yongsan e Seoul, são complexos com lojas de departamento, praças de alimentação e shoppings.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Relatório de viagem [Coréia do Sul] - Samsung


Suwon, 14 de dezembro de 2012

Como eu já havia mencionado anteriormente, eu trabalho na Samsung como engenheiro de software, na área de TV. Falar sobre o meu trabalho e da empresa onde estou trabalhando não é muito fácil, pois existem assuntos que são impróprios para dizer em público, seja porque certas informações devem ser confidenciais ou porque algumas opiniões poderiam me comprometer. Mesmo assim, creio que vale a pena falar sobre algo que ocupa a maior parte das minhas viagens na Coréia.

Samsung é uma palavra em coreano que significa "três estrelas". A empresa começou como um pequeno comércio em 1938, e aos poucos, cresceu e diversificou-se em várias áreas. Hoje, é um conglomerado, envolvido em várias atividades, da qual a fabricação de eletrônicos é uma das principais. Na Coréia do Sul, a Samsung é onipresente, está envolvida nas áreas de construção, parques de diversão, moda, lojas de departamento, carros, eletrodomésticos, e provavelmente em muitas outras atividades que eu não sei ainda.

A Samsung Electronics iniciou suas atividades em 1969 fazendo eletrodomésticos, e hoje é a maior empresa de tecnologia do mundo. As suas atividades também são diversificadas, envolvendo celulares, semicondutores, equipamentos de áudio e vídeo, computadores, câmeras fotográficas e eletrodomésticos.

A sede da Samsung Electronics é uma cidade dentro da cidade de Suwon, um campus por onde trafegam milhares de funcionários todos os dias. Até onde eu sei, este campus tem três portões de entrada, e eu sempre entro pelo portão principal. Dentro do campus, além dos prédios onde os engenheiros trabalham, há praças, quadra poliesportiva, ginásio, academia de ginástica, lojas, restaurantes e refeitórios. Somente os funcionários de alto escalão podem trafegar de carro dentro do campus: a maioria dos funcionários toma o transporte fretado da empresa que serve a cidade de Suwon e as cidades vizinhas. Existem estacionamentos perto dos portões de entrada, mas eles funcionam em esquema de rodízio: é possível vir de carro somente uma vez por semana.

Entrada do portão principal da sede da Samsung Electronics. 

Eles levam a segurança muito a sério: não se pode entrar com câmeras fotográficas, todos os dispositivos de armazenamento (pen drive ou MP3, por exemplo), devem ser lacrados antes de entrar dentro do campus, e todos os computadores que entram deve ser instalados com um software de segurança que criptografa os documentos e controla os dispositivos de entrada. A preocupação com a segurança de dados é compreensível, pois é comum na área de tecnologia, principalmente entre as empresas asiáticas, o "roubo" de informações de empresas concorrentes. No entanto, eu fico imaginando se todo este aparato de segurança evitaria o roubo de informações confidenciais por alguém que quisesse fazê-lo.

A divisão de TVs da Samsung Electronics fica no prédio mais alto do campus, com algo em torno de 37 andares (embora, talvez por superstição, eles pulem o quarto e o décimo-terceiro andar). Nós praticamente passamos o dia inteiro dentro desse prédio, principalmente agora, quando o frio nos desencoraja a sair e passear pelo campus. Há três refeitórios no prédio, e a comida é o equivalente à comida de fábrica, só que coreana: baseada em kimchi, apimentada, esquisita. Depois de algum tempo, eu me acostumei, mas foi muito difícil no início.
Os prédios da Samsung Electronics visto da entrada do campus. O prédio da esquerda é o de vídeo (onde estou trabalhando), o da direita é o de celulares, os prédios de trás estão em construção e o mais baixo com uma faixa laranja é um centro de convivência.

Normalmente, há um engenheiro da sede que é responsável por nós e providencia o necessário para trabalharmos ali. Na primeira vez que eu visitei a sede, disseram-me que a cultura de trabalho coreana era bastante hierarquizada, quase militar. Cada funcionário tem um posição (E3, E4, E5, E6); os engenheiros de hierarquia superior são bastante respeitados, e os outros engenheiros até se curvam diante deles quando os encontram. Existia uma cultura de submissão na qual a palavra do chefe é uma ordem e o chefe tem o direito de tratar os seus subordinados rispidamente sem ser confrontado. Os subordinados só poderiam sair do trabalho após o chefe sair. Esta cultura de trabalho no início me incomodou muito. Felizmente, desde aquela época, muitas coisas mudaram no processo de globalização da empresa: dependendo do engenheiro que nos recebe, as regras são bastante flexíveis. Hoje tenho muito mais liberdade no ambiente de trabalho quando venho aqui.

Uma outra parte da cultura coreana difícil de me adaptar foi a cultura dos "happy hour"s. Beber com os companheiros de trabalho parece ser uma questão muito importante para os coreanos, como se fosse um rito de passagem: você só fará parte do grupo quando beber com eles. Eu nunca gostava destes momentos, pois eu não tenho o hábito de beber, muito menos o de me embriagar, como acontecia com eles nestas confraternizações. Quando havia estas confraternizações, eu me sentia constrangido por não estar bebendo com eles. Também, esta cultura está mudando: nas últimas vezes em que saímos para confraternizar, os trabalhadores ainda bebiam muito, mas ao menos a decisão de não beber é respeitada.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Relatório de viagem [Coréia do Sul] - Suwon

Suwon, 12 de dezembro de 2012

O maior aeroporto da Coréia do Sul fica na cidade de Incheon, uma cidade costeira a poucos quilômetros da capital Seoul. Dizem que é um dos melhores aeroportos do mundo, e realmente o aeroporto é muito bom. Ao chegar ao aeroporto, passar pela imigração e pela alfândega, tomei um ônibus que ia para a cidade de Suwon, uma viagem de pouco mais de uma hora.

O local onde eu trabalho quando eu viajo à Coréia do Sul é a sede da Samsung Electronics, que fica na cidade de Suwon. Suwon é a capital da província de Gyeonggi, uma cidade de 1 milhão de habitantes distante a 30 km da capital da Coréia do Sul (Seoul). Eu fiquei hospedado em um hotel no centro da cidade (distrito de Paldal) e a Samsung fica na parte leste (distrito de YeongTong), embora esteja a uma distância de 30 minutos de caminhada do hotel em que me hospedei.

A cidade de Suwon vista da janela do hotel

Desta vez eu fiquei hospedado em um hotel Ibis, em uma vizinhança cheia de salões de casamento (O Ibis, a propósito, tem dois andares reservados para casamentos), e de vez em quando eu via carros chegando nesta região com roupas de casamento. Das outras vezes em que eu vim para cá, eu me hospedei em um hotel menor, rodeado de motéis, boates e casas de massagem. A noite era agitada naquela região, e do hotel podia-se ouvir ruídos "suspeitos" à noite.

Pirâmide em frente ao salão de espetáculos da cidade (Gyeonggi Arts Center)
Esta loja de departamentos (Home Plus) próximo ao hotel é onde normalmente fazemos as compras de supermercado.

Do hotel para o trabalho, podia-se caminhar, pegar um táxi ou usar o transporte do hotel. Na maioria das vezes eu escolhia caminhar por uns 25 minutos, pois era o único exercício físico que eu tinha condições de fazer ali. Do hotel para o trabalho, eu passo por um salão de casamento, um parque com uma escultura de uma bola de futebol de um lado e uma pirâmide de outro lado (esta pirâmide é do salão de espetáculos da cidade); na próxima quadra, uma escola de um lado e um condomínio vertical do outro; na próxima, um centro comercial com restaurantes, lojas, farmácias e mais outras coisas que não sei ainda; depois, a subprefeitura de YeongTong, um parque, um rio e, finalmente, a entrada central da Samsung, que é uma cidade dentro da cidade de Suwon.
Foto da avenida que liga o hotel até a Samsung. Os prédios da Samsung ficam no final da avenida.


Ao caminhar entre o hotel e o trabalho, pode-se notar como é o trânsito na cidade. As calçadas da cidade são bastante largas, e é possível andar tranquilamente nelas. As bicicletas andam em uma ciclovia na calçada. As ruas são bastante largas, e as regras do trânsito são parecidas com as do Brasil, exceto por alguns detalhes. Por exemplo, os carros costumam manobrar o carro para retornar na mão contrária em qualquer ponto da avenida; em alguns lugares; os pedestres andam na diagonal; os semáforos podem ter até 5 fases; em um cruzamento, os carros que vem dos dois lados da avenida viram para a esquerda, dando a impressão inicial que que vão colidir. Em geral, os coreanos não parecem seguir as regras de trânsito à risca, como eu via nos Estados Unidos ou na Europa; mesmo assim, o trânsito parece fluir melhor que em São Paulo, por exemplo.
O sanitário de um parque de Suwon. A cidade se orgulha de  fazer de sanitários uma obra-prima, e até dão nomes a eles. Este aí tem o formato de uma bola.

Dentro da cidades, é possível fazer algumas visitas. No final da dinastia dos Joseon, no final do século 18, o rei tentou fazer de Suwon a capital da Coréia e fortificou a cidade. Construiu uma fortaleza e cercou a cidade com muros. A fortaleza, chamada de Hwaseong, é considerada um patrimônio cultural e vale a pena a visita. Na única vez que eu a visitei, caminhamos toda a extensão dos muros, examinado as torres de vigia e as fortalezas.
Construção dentro de um parque próximo do hotel. Na Coréia existem espaços como esse onde as pessoas tiram os seus calçados, descansam e fazem piquenique. Alguns desses lugares são bem trabalhados, como este da foto, que tem o estilo chinês.
Entrada de um parque perto do hotel, que faz referência à fortaleza de Hwaseong. O  centro de Suwon é rodeado por muros com alguns postos de observação como o da foto para proteger a cidade.

Um outro local que eu visitava bastante era a montanha que fica próximo da cidade, chamada de Gwangyosan. Era a minha maneira de exercitar um dos meus hobbies preferidos, o de subir montanhas e apreciar a natureza. Embora o morro não seja muito alto (mais ou menos 600 metros), subi-lo era um exercício extenuante, e eu chegava exausto ao hotel depois desta caminhada. Obviamente, desta vez não poderei ir, pois está muito frio e cheio de neve.

Próximo de Suwon, na cidade de Yongin, eu visitei outras duas atrações turísticas nestas viagens: um parque de diversões e uma aldeia histórica. O parque de diversões (Everland) é da Samsung, e é um dos maiores da Ásia. Realmente, o parque é grande e muito bom, mas foi possível visitar as principais atrações em um dia. A aldeia histórica (Korean Folk Village) é muito interessante: eles tentarem preservar as habitações e o modo de vida dos habitantes da Coréia no passado.


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Relatório de viagem [Coréia do Sul] - Despedida

Olá, pessoal,

Eu sempre desejei descrever as minhas impressões sobre as viagens que tenho feito para a Coréia do Sul pela empresa em que eu trabalho (Samsung), mas não tinha tempo ou disposição para fazê-lo até agora.

Uma vez que esta é a sexta vez que eu visito a Coréia do Sul, vou escrever de uma maneira diferente dos relatórios que eu fiz antes. Vou focar naquilo que já aprendi sobre o país ao invés de descrever detalhadamente o que eu passei durante esta viagem. Afinal de contas, eu tenho usado a maior parte do tempo aqui trabalhando (e como!) e não há muita coisa que seria interessante para contar sobre isso.

Mesmo assim, espero que vocês tenham uma boa leitura,

Hélio.

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Suwon, 8 de dezembro de 2012

Eu embarquei no aeroporto há quase uma semana atrás. Despedi-me da Martha e do Raphael, com o coração apertado por deixá-los sós, no Brasil.

Como família, nós temos tido muitos problemas por causa destas viagens de trabalho. Menos de um ano após casar com a Martha, tive de viajar aos Estados Unidos para participar do desenvolvimento de um produto. Viajei por dois meses, voltei por um mês e depois viajei novamente por um mês. Tentei levar a Martha junto, mas o visto foi negado e ficamos separados por três meses naquele ano. Foi o início da relação conturbada que teríamos entre a nossa vida familiar e as demandas de trabalho, e que ainda estamos tentando resolver.

Quanto à Coréia do Sul, fui levado para lá logo depois de ter sido contratado pela empresa, para ficar por três meses: novembro, dezembro e janeiro. Como desta vez, passei o natal do outro lado do mundo, longe da família e dos amigos. Naquela época, o Raphael tinha um ano, e aparentemente não sentiu muito (ele só não me reconheceu quando eu voltei); a Martha, no entanto, sentiu bastante a minha ausência, pois teria de lidar com tudo sozinha. Depois, fui para a Coréia mais quatro vezes antes desta viagem. Em uma delas, o Raphael reagiu com revolta quando eu voltei para casa: ele não quis abrir a porta e, quando eu entrei, ele me empurrou para a porta, falando para eu voltar à Coréia. Depois de alguns dias ele voltou a me receber com o carinho de sempre, mas é indescritível a tristeza que eu senti ao ouvir isso de meu próprio filho.

Esta viagem foi marcada para acontecer no sábado (dia primeiro); chegaria segunda-feira (dia 3) na Coréia para começar a trabalhar. Normalmente estas viagens são assim mesmo: com o intuito de economizar tempo e dinheiro, a empresa envia os funcionários no final de semana, para que não percam tempo de trabalho nas viagens de avião, apesar de colocar no papel o compromisso de evitar programar viagens no final de semana. Normalmente, há pouco tempo para ficar com a família antes e depois das viagens, mesmo as viagens prolongadas.

Eu não considero uma pessoa que viaja muito a trabalho: desde que eu entrei na Samsung, há quatro anos atrás, eu estive viajando por mais ou menos 7 meses. Eu também não sou avesso a estas viagens de trabalho: elas são boas para o meu desenvolvimento profissional e pessoal, tiram-me da rotina casa-trabalho-casa e dão-me a oportunidade de conhecer realidades distantes da minha. De fato, eu estava sentindo falta de uma viagem de trabalho depois de um ano e meio sem viajar. Mesmo assim, eu reconheço que as viagens de trabalho tem sido um fator que tem corroído o meu relacionamento com minha esposa e com meu filho. Algumas famílias provavelmente conseguem lidar com estas viagens com mais facilidade que nós, mas o fato é que as viagens são uma das evidências de que existe um conflito de lealdade entre as corporações e as nossas famílias. Eu muitas vezes me sinto tendo de escolher ficar com a empresa, mesmo crendo que a minha família é mais importante.

Relatório de viagem [Coréia do Sul] - A viagem de ida

Suwon, 8 de dezembro de 2012

A viagem de ida para a Coréia normalmente leva entre 30 e 35 horas, dependendo da rota utilizada. Como a Coréia do Sul fica quase do outro lado de São Paulo, pode-se utilizar várias rotas diferentes para chegar ao destino: já fui para lá através de Paris, Amsterdã, Dubai, Istambul e, desta vez, por Los Angeles. Neste caso, foram 14 horas na primeira parte, 2 horas e meia no aeroporto, e mais 13 horas na segunda parte.

Na véspera da viagem, eu comecei a ter os sintomas de uma gripe leve: dor de garganta, um pouco de febre e de dor no corpo todo. Os sintomas pioraram durante a viagem, e senti mal a viagem toda: a dor no corpo aumentou, comecei a tossir e a escorrer o nariz. Na descida do avião, comecei a ter uma dor aguda nos ouvidos devido à diferença de pressão atmosférica, embora nunca tivesse sentido isso antes. O pior é que, na entrada da Coréia eu tive de preencher um formulário declarando os sintomas que eu estava sentido. Não sei por que, mas acabei não indo para quarentena, mesmo declarando que eu sentia doente.

A conexão é diferente em cada lugar. A de Paris era sem-graça, não havia assentos confortáveis, tudo era muito caro e o tempo de conexão muito longo. A de Amsterdã é um pouco melhor, pois há lugares onde você pode se reclinar e descansar enquanto espera o próximo vôo. A de Dubai é a melhor: o espaço para conexão é grande, os assentos confortáveis, o café da manhã está incluso, e os preços do duty free shop são bastante convidativos. Em algumas conexões, é possível fazer uma visita relâmpago à cidade próxima do aeroporto, mas é necessário pagar pelo tour, e eu acabei não aproveitando esta oportunidade.

Em Los Angeles, a conexão foi bastante rápida e, por isso, não tive tempo para desfrutar das facilidades da sala de conexão. De qualquer forma, não tinha muita coisa além de assentos, banheiros, uma loja de conveniência e conexão Wi-Fi. Um outro incidente ocorreu em L. A.: descobri na imigração que não tinha devolvido o cartão de saída dos Estados Unidos na última viagem que fiz para lá. Por causa disso, ouvi do oficial de imigração que eu não poderia mais fazer conexão pelos Estados Unidos. Notifiquei a empresa sobre o incidente, mas não sei como eu vou voltar ao Brasil sem mudar a passagem.

Antigamente, eu tinha um sono pesado, e dormia bem mesmo em viagens de avião de longa distância. Isso foi há dez anos atrás. Desta vez, eu quase não consegui dormir, e passei quase toda a viagem explorando a única atividade que eu me sentia capaz de fazer: assistir filmes. Assisti a sete filmes durante a viagem, e aproveitei para ver os filmes de ação que não consegui ver antes no cinema ou em vídeo por ter uma criança em casa.

Hoje, eu vejo como a minha vida mudou desde os meus trinta anos. Eu aproveitava este tempo de viagem para dormir, para meditar sobre a minha vida, sobre o meu relacionamento com Deus e com as pessoas próximas de mim, para ler um bom livro, para escrever. Hoje, não consigo mais fazer isso: entediante é o adjetivo certo para descrever o tempo gasto no avião e nas conexões. Eu creio que a mudança aconteceu porque a minha postura diante da vida mudou. Eu trabalhava muito, mas sabia ter o meu tempo de descanso e de solitude para refletir sobre as coisas que aconteceram comigo e para recobrar as minhas forças. Com o tempo, as pressões para fazer mais em menos tempo foram aumentando, a minha ansiedade para dar conta das exigências foi aumentado, e este tempo de descanso ficou cada vez mais escasso. Por isso, quando a oportunidade de não fazer nada bate à minha porta, eu me sinto compelido a buscar alguma coisa para fazer, mesmo estando muito cansado para fazer qualquer coisa. Eu preciso reaprender a passar algum tempo sem fazer nada sem achar que estou perdendo alguma coisa com isso.

domingo, 11 de novembro de 2012

Relatório de viagem - Moçambique (Julho/2008)

Olá, pessoal,

Eu escrevi um relatório da viagem que eu, a Martha e o Raphael fizemos na África no inverno de 2008. Eu resolvi trocar os nomes das pessoas que participaram comigo da viagem por questões de privacidade.


Boa leitura.


6 e 7 de julho – Viagem de ida


Chegamos ao aeroporto de Cumbica no domingo, dia 6, às 13:30h. Estávamos cansados por causa da festa de aniversário do Raphael, que tinha acontecido no dia anterior, e foi uma correria para prepararmos as malas para a viagem. O Raphael estava meio gripado, com o nariz escorrendo, a garganta dolorida e tosse: nós estávamos preocupados por ele. O vôo para Johannesburg seria às 18h, mas marcamos 5 horas antes para podermos ser um dos primeiros da fila e, assim, sentarmos perto um do outro. A equipe se encontrou no aeroporto. Após fazermos o check-in, ficamos esperando pelo vôo, que saiu uma hora atrasado.

O vôo para Johannesburg foi bastante turbulento. O espaço entre os bancos era muito curto, e os assentos desconfortáveis. Após o jantar, a avião entrou em uma zona de forte turbulência, e eu senti bastante enjôo. Quase vomitei e não consegui dormir direito. No aeroporto, tivemos problemas com o carrinho do Raphael:  eles não queriam devolvê-lo para usarmos enquanto esperávamos o próximo vôo. Com um pouco de paciência, tudo foi resolvido. O vôo para Beira foi mais rápido e mais tranquilo, apesar de ter sido em um avião menor.







A Beira é a capital da província de Sofala e a segunda maior cidade de Moçambique. No aeroporto de Beira, fomos recebidos por dois missionários que trabalham em Beira, mas que não são do projeto. O Pastor da missão veio alguns minutos depois. Não enfrentamos problemas na imigração nem na alfândega. Estávamos esperando por um missionário de Chimoio para nos buscar; após esperar por mais de meia hora, decidimos almoçar em um restaurante local, com vista para a praia (não pedi nada exótico: só peixe grelhado com batatas fritas).

De lá, fomos até Chimoio com uma perua (van), cujo pneu furou no meio do caminho. Chegamos à noite em Chimoio, capital da província de Manica. Jantamos na casa de um dos missionários e nos dividimos: eu, a Martha e o Raphael ficamos na casa de um missionário que não era do projeto. Os outros ficaram em casas de diferentes missionários. Apesar do cansaço e dos transtornos, chegamos em segurança a Chimoio, graças a Deus.


8 e 9 de julho – Descanso

Não aproveitamos muito os dois dias seguintes: descansamos bastante. Os nossos companheiros de viagem foram conhecer a escolinha de futebol e as aulas de futebol para os filhos de muçulmanos no dia seguinte à da viagem, mas eu só mais tarde é que eu soube que tinha sido convocado. Provavelmente por causa do cansaço, eu e a Martha acabamos contraindo a gripe do Raphael: começou a dor de garganta. O Raphael continuava tossindo muito e não havia se adaptado ao fuso horário ainda: ele só conseguia dormir no final da madrugada e acordava perto de meio-dia (e nós o acompanhávamos). No final do dia, fui ao banco retirar meticais (a moeda local de Moçambique, correspondente a mais ou menos 1/23 do dólar americano) e ao supermercado.

Na quarta-feira de manhã, eu fui com um grupo ao terreno do projeto (farma). O terreno ficava um pouco distante do centro da cidade de Chimoio (uns 20 km) e é o local onde s se deseja criar um centro de treinamento para os missionários que atuam na África e na Ásia. Por enquanto, não há muita coisa além da plantação de mandioca, que será colhida no ano que vem (a de milho já foi colhida e vendida), e de uma pequena casa em construção, onde irá morar o caseiro.


No final da tarde, ao chegar em casa, eu e a Martha fomos à casa de um casal de missionários para que o Raphael pudesse brincar com as filhas dele. No final do dia, fomos a uma reunião de oração, que foi relâmpago (cada um teve direito a um pedido e todos oraram ao mesmo tempo), pois tínhamos de sair para o seminário às 4 horas da madrugada.


10 a 15 de julho – Seminário em Ile

Uma equipe de 14 pessoas foi ao seminário em Ile. Ile é um distrito no interior de Moçambique que fica na província de Zambézia, a maior e a mais populosa de Moçambique. Fomos informados que a Zambézia é uma província cheia de feiticeiros que são temidos pelo povo, e um lugar onde as igrejas são fracas. A viagem para Ile percorreu mais ou menos 750 km, e levou o dia inteiro. O seminário durou 4 dias e teve o objetivo de treinar pastores e líderes das igrejas locais; além disso, houve aulas para mulheres e crianças, e aulas para melhorar a produtividade das plantações.


A viagem em si foi uma aventura e tanto. Passamos por vários imprevistos, mas a equipe tinha bom humor, e passamos por estes incidentes sem perder a compostura. O plano inicial era de viajarmos em uma perua e uma caminhonete com reboque. A caminhonete estava na cidade de Gondola, distante uns 20 km de Chimoio; por isso, resolveu-se levar a nossa bagagem em uma outra perua que iria somente a Gondola, para que a bagagem fosse então transferida para a caminhonete. Porém, ao chegarmos em Gondola, verificamos que a bagagem não caberia lá. Para resolver este impasse, um dos missionários teve de voltar a Chimoio, trazer o carro dele para Gondola e colocar a bagagem excedente no carro. 



Viajamos em uma perua que praticamente não tinha suspensão, e o motorista parecia fazer questão de entrar em todos os buracos. Na metade do caminho, na travessia do rio Zambeze (o rio que separa a província da Zambézia da de Sofala), a balsa que carregava os carros e os passageiros para o outro lado do rio quebrou; tivemos de esperar três horas para que a consertassem e mais duas para que almoçassem. A equipe passou esse tempo tirando fotos, filmando e contando piadas. Percebi que teria sido bom ter levado um pouco de dinheiro, pois estava com sede e não tinha dinheiro para comprar água. Depois de quatro horas aguentando, acabei cedendo e pedi dinheiro emprestado para comprar uma garrafa de água.

Tivemos ainda algumas paradas estratégicas para suprir as nossas necessidades (no mato, mesmo) e para comermos (pão com queijo e ovo cozido em todas as refeições). Eu não estava muito bem: a dor de garganta estava piorando, comecei a ter um pouco de dor de cabeça e, mesmo com o desconforto, dormi na maior parte de viagem.

Chegamos mais ou menos às 22:30 na aldeia em Ile onde iríamos ministrar o seminário, 6 horas depois do horário previsto. Mesmo assim, fomos recebidos pelo povo com música e dança, e o primeiro contato com eles foi inesquecível. “Recebemos nossa visita”, eles cantavam repetidas vezes, com muito entusiasmo, ainda que já fosse a hora deles dormirem.



Após a apresentação, eles fizeram uma fila, e nos cumprimentaram, um a um. Como estava muito tarde, eles não demoraram muito, e logo começamos a ligar o gerador e montar as barracas. Mais uma vez, percebi que eu estava totalmente despreparado para esta viagem: Não tinha trazido roupa de cama, nem cobertor, nem blusa de frio e nem colchão onde dormir (afinal de contas, achei que não fazia frio na África). Tomei emprestado dos meus irmãos e, com eles, consegui sobreviver às noites de frio. Para completar o dia, o gerador parou de funcionar depois de alguns minutos gerando luz. Tivemos de jantar e preparar-nos para dormir no escuro, só com as lanternas. Felizmente, o gerador foi consertado no dia seguinte.



A rotina para nós da equipe neste seminário não foi muito puxada, e acredito que poderia se realizar o seminário com muito menos pessoas. Acordávamos mais ou menos às 7 ou 8 horas da manhã; já os  anfitriões acordavam mais cedo. As mulheres desciam ao rio, que ficava a mais ou menos a meio quilômetro da igreja, e traziam água, para ser usada para a cozinha e para o nosso banho. Os homens preparavam as refeições e limpavam as instalações. A programação começava às 9:00: eram duas aulas de manhã e uma à tarde. Depois da programação da manhã, tínhamos um almoço; só depois da equipe é que os anfitriões almoçavam, e em porções muito menores. Depois da programação da tarde, o resto do dia estava livre. Este tempo era usado para ligar para casa (o celular funcionava se nós subíssemos um morro), tomar banho, visitar casas vizinhas, orar, filmar o local, ou ter momentos de comunhão (um eufemismo de “jogar conversa fora”). Ao anoitecer, nós jantávamos e fazíamos uma devocional. Depois, alguns continuavm conversando e outros iam direto para as barracas para dormir.



As condições ali eram bastante precárias, e não acho que conseguiria ficar ali por mais de uma semana. Ainda assim, fiquei constrangido porque sabia que eram as melhores condições que eles podiam nos dar, e que eles vivem em condições piores que as que nós passamos. No café da manhã, comíamos pão ou biscoito com manteiga e café com leite (a maior parte da comida foi trazida de Chimoio). O almoço e a janta consistiam em arroz cozido ou massa de arroz e carne de vaca ou de galinha cozida. Antes das refeições, eles tomavam uma caneca de água e derramavam água sobre as mãos de cada um de nós, para que nós as lavássemos. Durante o banho, cada hóspede recebia um balde de água aquecida. Íamos a uma pequena casa de mais ou menos um metro por um metro, coberto de cascalho e com duas pedras maiores para colocarmos os pés. Era-nos dado uma caneca, e com ela tirávamos a água do balde e nos enxaguávamos. Quando tínhamos de satisfazer as nossas necessidades, usávamos uma outra casinha ao lado da casa de banho, coberto de cascalho e com um pequeno buraco, sem assento. Tínhamos de ficar agachados e ainda acertar no buraco; é muito difícil para quem está acostumado a ler e meditar no banheiro. Para escovar os dentes, separáramos um copo de água potável vindo de Chimoio em galões, mas cheio de cloro. Para precaução contra a malária, passávamos repelente a cada 4 horas, principalmente no final da tarde, mas isso não impediu que eu fosse picado por pulgas pelo corpo todo (só me livrei delas depois que voltei da viagem). O tempo em Ile também não ajudou: chovia com bastante frequência, e várias vezes entrou água nas barracas. O meu tênis molhou em uma noite, e tive de usá-lo com plástico de supermercado até ele secar. No final da tarde, fazia-se um vento muito frio, e sofríamos por não ter um lugar fechado para nos reunirmos. Mesmo com o agasalho e os cobertores emprestados, passei bastante frio e não consegui dormir direito durante a noite. Creio que a viagem tenha piorado a minha gripe: a dor de garganta transformou-se em tosse nos dois últimos dias do seminário. Só me livrei da tosse quando estava saindo de Moçambique.



O seminário foi feito em quatro dias. No primeiro dia, fomos apresentados aos seminaristas. Cada membro da equipe teve de se levantar e dizer o nome, descrever a família, falar sobre a relação com o projeto e dar uma palavra de saudação aos seminaristas. O terceiro dia, um domingo, foi o dia de culto. No último dia, eles mataram um cabrito e dividiram a carne com centenas de pessoas; também, foram distribuídos Bíblias, doces e roupas. Na equipe, os que mais trabalharam foram as mulheres, que tiveram de se revezar para dar aulas às mulheres e crianças. Os homens deram no máximo duas aulas, e nem todos vinham assistir às aulas dos outros; por isso, havia muito tempo vago. Eu dei uma aula, e tive de traduzir as aulas da Alet (que falava inglês) para o português a um outro intérprete, que traduzia para a língua local.



Para nós, o conteúdo das aulas era bastante simples e superficial, mas fomos orientados a sermos o mais simples possível, pois a maioria dos líderes era analfabeto ou semi-alfabetizado, e o aprendizado era  bastante limitado. A maioria nem falava português, e havia necessidade de um tradutor do português para a língua local (lomwe). Para eles, no entanto, este seminário era tão importante que alguns caminharam um dia inteiro para participar dele. Diziam que o que fosse falado neste seminário seria assunto para vários meses. Isso fez-me ver a carência das igrejas e sentir a responsabilidade de estar falando para eles: o que eu falasse afetaria a vida não só daqueles líderes, mas de muitas igrejas da região.



O culto de domingo foi o que eu esperava ver em um culto africano. De manhã, a igreja estava lotada e o templo não cabia tanta gente: muitos ficaram do lado de fora. Acompanhados somente de um tambor e uma espécie de chocalho, os cânticos eram cantados com bastante ritmo e dança. Normalmente, repetia-se a mesma frase várias vezes, sempre com uma irmã liderando e a congregação respondendo. De vez em  quando, alguém enrolava a língua e fazia um som parecido com o de um peru. Após os cânticos congregacionais, os visitantes se apresentavam e a oferta era levantada. Logo depois, apresentaram-se os coros de crianças, de jovens e de mulheres, cada um com uma coreografia diferente. Depois de dispensar as crianças, a igreja ouviu o Pr. João Pedro pregar por mais ou menos uma hora. No final da pregação, o Pr. Silveira fez um apelo e a maioria da igreja foi para frente. No final do culto, nós saímos do templo e ficamos do lado de fora, enquanto a congregação, cantando, saía do templo cumprimentando-nos.



Foi no último dia que percebemos claramente o quanto este povo era pobre, e conhecemos o significado da palavra gratidão em um outro nível. No encerramento do seminário, houve distribuição de Bíblias, doces e roupas. A Bíblia só era dada a seminaristas que soubessem ler, e um pequeno teste de leitura era feito antes que a Bíblia fosse entregue. Foi-nos explicado que os que não sabiam ler provavelmente venderiam o livro.
Na hora do almoço, mataram um cabrito, tiraram a pele e cozinharam a carne, para ser dividida por centenas de pessoas. O povo se dividiu em pequenos grupos, e cada grupo recebia uma porção de massa de arroz com caldo de carne, e um pedaço de carne. Os homens comiam primeiro; as mulheres e as crianças depois. Um pedaço pequeno de carne alimentava um grupo de mais ou menos oito crianças. Ver como as crianças disputavam pela comida enquanto estávamos bem alimentados nos chocou e comoveu muito. 




A entrega de roupas foi uma loucura; eu vi as mesmas roupas que tinha ajudado a colocar no container, nos Estados Unidos sendo entregues ali. Quando souberam que iríamos entregar roupa, a notícia se espalhou e veio muita, mas muita gente. Foi muito difícil organizar uma fila e evitar que os “espertos” levassem mais que o combinado ou que furassem a fila. A distribuição de doces foi ainda mais caótica: não havia filas, só via um monte de crianças correndo atrás das pessoas que tinham os saquinhos de balas. No final, pudemos entregar só duas ou três roupas por pessoa e um ou dois doces por criança, mas a alegria deles por terem recebido tão pouco me constrangeu muito: depois dessa experiência, qualquer reclamação que eu poderia fazer sobre as minhas condições de vida perdeu todo o sentido.



Para completar a aventura, tivemos de acordar no dia seguinte às 2 da madrugada para empacotar nossa bagagem e desarmar as tendas. Na saída da aldeia, a perua e a caminhonete atolaram na lama, e tivemos de descer e empurrar para tirar os carros do atoleiro. Na confusão, a máquina fotográfica caiu do carro e quase a perdi. O outro carro teve o pneu murcho, e tivemos de enchê-lo com um compressor. Mesmo assim, a viagem de volta foi mais tranquila que a de ida, pelo menos para mim (que voltei no carro, e não na perua). Chegamos às 19 horas.



Apesar do cansaço e das condições precárias, saímos de Ile mais recebendo do que dando. Não ministramos mais que uma ou duas aulas sobre assuntos que prepararíamos em uma ou duas horas, mas recebemos uma lição de vida que dificilmente se aprende em seminários: aprendemos sobre o que significa sermos gratos, o que significa ter fome e sede da palavra de Deus, e o que significa ser hospitaleiro e dar o melhor de si para alguém que nem sequer se conhece. Eu senti-me bastante abençoado ali: encontrei a Deus não só na criação (o local do seminário ficava em um vale, e tinha uma vista muito linda), mas também na vida de meus irmãos moçambicanos que deram seus ouvidos para nos escutar e suas mãos para nos servir.


17 de junho de 2008 – Nhamatsane

O dia seguinte ao da viagem foi de descanso, quando eu pude me recuperar da viagem e matar a saudade da Martha e do Raphael. É claro que dei bastante trabalho à empregada da casa, que teve de lavar o que restou da roupa que eu tinha usado na viagem, cheia de lama e de pulgas. Fiquei feliz em saber que o Raphael tinha melhorado da gripe, e estava quase bem. Eu é que precisava me recuperar agora. No dia seguinte, fomos visitar um trabalho desenvolvido por um líder comunitário em Chimoio, que havia interessado o projeto como um trabalho com a qual o projeto poderia fazer uma parceria. 



Fizemos uma pequena caminhada até o local, e, pela primeira vez, pude ver como é a vida de um moçambicano comum no subúrbio de Chimoio. À medida que afastamos do centro da cidade, as ruas tornam-se de barro e as condições das casas começam a se deteriorar. Pude ver as atividades do dia-a-dia do povo: um grupo de mulheres lavando a roupa em um rio muito sujo e com muita pouca água; duas crianças socando o milho no pilão, mulheres tirando água de um poço comunitário e levando a água na cabeça até as suas casas; uma mulher grávida vendendo frutas, legumes, peixe seco, carne de rato, e óleo no meio do caminho.



Finalmente, chegamos ao centro educacional Nhamatsane. Era um centro educacional que ensinava diversas atividades às crianças. O líder do centro apresentou-nos o projeto, que era simples, mas bem organizado. Uma construção circular no meio era usada para ensinar as crianças a costurar com máquina de costura. Uma outra construção tinha uma pequena biblioteca, uma sala para ensinar bordado e um viveiro de mudas de plantas; atrás dela, havia uma pequena horta. Havia uma outra casa com um forno de barro, que era usado para fazer pão. O líder dirigia este centro como voluntário, e parecia estar fazendo um bom trabalho. 




O projeto fez doação de material escolar (do container) e deixou um pastor do projeto para pastoreá-lo. Terminamos com uma oração e despedimo-nos dele. À tarde, os nossos anfitriões prepararam pão de queijo e pastel, e a equipe toda passou a noite na casa onde estávamos hospedados.

19 de junho – Farma


No dia seguinte, passamos a manhã separando as roupas do container para serem distribuídas no terreno do projeto, no dia seguinte. À tarde, alguns da equipe foram (eu não fui) visitar um projeto canadense que está fazendo mais ou menos o que o projeto pretende fazer com o terreno. Ouvi dizer que o projeto era muito bom, mas também que havia muito dinheiro sendo investido nele, o que não é possível fazer com o projeto, ao menos por enquanto.



 No sábado de manhã, fomos ao terreno do projeto; a Martha e o Raphael foram pela primeira vez. No terreno, a vizinhança foi chamada para reunir-se com a equipe do projeto, e umas trinta pessoas vieram, a maioria delas não crentes. Depois que nós nos apresentamos, oramos, cantamos um cântico que um deles conhecia e foi ministrada uma palavra. Depois, começamos a distribuir roupas: como havia pouca gente, eles receberam muito mais roupas que o povo no Ile. 




À tarde, a equipe toda foi almoçar em um restaurante no caminho. Ali, fomos designados para visitar três igrejas na vizinhança. Nós fomos em uma igreja presbiteriana perto de onde estávamos, e eu soube em cima da hora que eu iria pregar. Passei o resto do dia tentando preparar alguma coisa para dizer no culto.



20 de junho – Igreja


A equipe foi dividida em três, e cada grupo foi a uma igreja diferente. Eu, a Martha e o Raphael, fomos a uma igreja presbiteriana; um outro grupo foi a uma igreja batista, e outro foi à igreja onde os nossos anfitriões frequentavam.

A igreja presbiteriana era basicamente formada por pessoas do sul de Moçambique que estavam ali para trabalhar. Ela era pequena, e tinha mais ou menos 60 pessoas. O culto parecia seguir a liturgia da cartilha presbiteriana. Eles liam de um livro as saudações, os momentos de confissão (incluindo a oração) e o de ofertas. As músicas eram hinos antigos e conhecidos por nós, mesmo os hinos que eram cantados na língua nativa. 

Mesmo assim, eles cantavam bastante e o culto foi bastante animado, mesmo sem instrumentos. No final dos cânticos, os coros se apresentaram e, depois disso, eu me apresentei no púlpito para pregar. Fiquei nervoso, algumas vezes eu perdi a fala, às vezes esqueci o que falar, mas consegui ir até o final e dar a mensagem, acho. No final da pregação, os visitantes foram apresentados. Essa apresentação tornou-se rotina: um a um, nós tínhamos de nos levantar, dizer o nome, apresentar a família e dar uma saudação à igreja. No final do culto, saímos e ficamos na porta da igreja para cumprimentarmos os membros, um a um. Após a igreja, a equipe se encontrou na casa do Josué para um almoço de confraternização.

22 de julho – Ministério Prisional


A segunda-feira foi de descanso, e passeamos na cidade de Chimoio. Conhecemos os lugares de compra que, na verdade, não eram muito atraentes. O comércio parece o de uma cidade pequena, e existem poucas opções de compra. Os alimentos muitas vezes estão em falta: no açougue, por exemplo, é necessário encomendar a carne com alguns dias de antecedência. O comércio formal daqui é na maior parte controlada por muçulmanos, que exploram e maltratam os empregados: em uma loja, eu vi o dono gritar para um empregado na minha frente. Existe um único supermercado na cidade, que importa produtos da África do Sul. Ele é muito caro no padrão do moçambicano, mas que é onde os missionários fazem a maior parte das compras.




O comércio informal é feito na maior parte com doações de outros países: as roupas vêm de container, e são vendidas no atacado em pacotes. A maioria das pessoas compra roupas ali, mesmo os missionários. Pode-se comprar roupas e tênis usados por um preço bastante acessível, e pode-se encontrá-los muitas vezes em bom estado. 




As mercadorias são vendidas em barracas feitas com galhos de árvores e palhas, e muitas vezes as mercadorias são colocadas no chão, mesmo, sem plástico para forrar. Remédios são vendidos por ambulantes em maletas, expostos ao sol o dia inteiro. Frutas e legumes são carregadas na cabeça dos vendedores, e quitutes parecem ser preparados sem nenhuma higiene. A visita ao “shopping” local (chungamoio) não é agradável, mas com o tempo nós nos acostumamos.




A terça-feira estava marcada para que visitássemos o ministério do missionárioe  que nos hospedou. Ele ministra em duas prisões, uma em Gondola e outra em Chimoio. Por falta de carro, não pudemos ir à prisão de Gondola de manhã, mas acabamos indo na de Chimoio, à tarde.




A prisão de Chimoio fica a alguns quilômetros do centro da cidade. É uma penitenciária agrícola que, segundo o diretor da penitenciária, se propõe a restaurar os presos para que saiam com uma profissão e não voltem mais à vida de crimes. O ministério prisional tem mais ou menos 6 anos, e atualmente, existem dois pastores dirigindo este ministério. 


O culto teve mais ou menos 300 presos; não se pode ter mais por questões de segurança. Quando chegamos à prisão, os detentos estavam chegando ao local de reunião, mas o povo já estava cantando. A maioria das músicas eram cantadas na língua local (chutewe), e mesmo as músicas em português eram difíceis de compreender. Mesmo assim, a música, as danças, o ritmo e o entusiasmo dos presos nos contagiaram. 



Após os cânticos, as orações, e as apresentações de coral (também com entrada e saída e com coreografia), tivemos de nos apresentar (de novo!) e então a palavra de Deus foi pregada. Na hora do apelo, a maioria da congregação se levantou, recebendo Jesus.

O interessante das visitas que fizemos é que foi nos locais de maior pobreza e necessidade é que pude ver mais o amor e a alegria de Deus. Deus realmente é surpreendente: o seu rosto é mais fácil de se reconhecer não onde existe abundância e prosperidade, mas sobretudo onde existe carência de tudo, onde há vidas que fracassaram, onde um pouquinho de pão ou da palavra de Deus é um grande banquete. O que tinha ouvido falar, os meus olhos puderam ver.


23 de julho – Gorongosa


Alguns da equipe foram ao parque nacional de Gorongosa no dia seguinte. O parque de Gorongosa é uma reserva de animais, localizada a uns 120 Km de Chimoio. Saímos às 4:30 da manhã para chegar ao parque  às 6 horas. Tivemos de esperar mais meia hora para podermos entrar no parque, pois o caixa do parque tinha se atrasado.




Depois de pagar, entramos no parque. O passeio é um safari: ficávamos no carro e não deveríamos sair dela enquanto estivesse na área de safari. O carro percorreria as trilhas demarcadas, que, por sinal, eram muito ruins (um carro sem tração não conseguiria passar). No caminho, poderíamos ver os animais da selva em seu ambiente natural: leões, gazelas, búfalos, crocodilos, etc., mas como são imprevisíveis, poderíamos percorrer o parque todo e não ver nenhum leão.




Foi o que aconteceu. Passeamos no parque o dia inteiro, e não vimos o tal do leão. Havia no parque muitos porcos do mato, várias espécies de veado e de macacos: De animais de grande porte, vimos crocodilos e hipopótamos. De leão, só o resto do seu café da manhã. Por ter visto tão pouco, um grupo voltou para casa no meio da tarde; o resto ficou mais um pouco para procurar mais. Voltamos quando o parque estava quase fechando. Não vi tudo o que queria, e o passeio não foi barato,  mas foi bom para o nosso primeiro safari de verdade.





25 de julho – Despedida de Chimoio


Na quinta-feira, a equipe do projeto de Moçambique teve uma reunião que durou a noite toda; por isso, o restante (incluindo nós) teve o dia livre. Passeamos pela cidade o dia todo, e comecei a gravar os DVDs da viagem.

Na sexta-feira, a pedido do líder do projeto, fomos visitar a casa de um pastor que é um missionário local do projeto. A casa ficava a uma certa distância do centro da cidade, e fizemos uma boa caminhada para chegarmos ali. A casa era pequena para tanta gente (ele tinha sete filhos), e bastante simples, mas era melhor que as outas casas que já tínhamos visto antes.




Após conversarmos com ele e orarmos, voltamos  para a casa de um dos missionários do projeto que ensinava futebol. Ali, participamos de um almoço de confraternização. Para dizer a verdade, eu não tive muito tempo para almoçar, pois estava ocupado em gravar os DVDs.



À tarde, o Raphael caiu da cama e fez um galo na sua cabecinha; por isso, tive de ir sozinho até o campo de futebol, que fica a menos de uma quadra da casa do professor de futebol. O projeto está realizando um torneio de futebol, e ele estava apitando um jogo deste torneio. Depois deste jogo, o time da escolinha de futebol iria se apresentar. Ele pediu-me para gravar o time, que estava se aquecendo naquele momento. Conversei um pouco com o treinador, e até tive de dar uma palavra de encorajamento para o time (pena que acabaram adiando o jogo para o dia seguinte). Depois, gravei um vídeo do missionário e do seu auxiliar. 


Cheguei atrasado para o culto dos missionários da cidade, que ocorre a cada 15 dias. Mesmo havendo muitos missionários estrangeiros, o culto era ministrado em português, com aqueles cânticos que aprendemos na igreja; esta foi a primeira vez em Moçambique que eu me senti em uma igreja brasileira. Logo depois do culto e do momento de comunhão (os comes e bebes), ainda fui à casa de um missionário para gravar uma palavra dele para os seus mantenedores. Depois, fomos fazer compras no supermercado e voltamos para casa. No dia seguinte, às 5 horas da manhã, teríamos de sair em direção a Beira.

26 e 27 de julho – Dondo, Beira, Savane


Um grupo (inclusive nós) foi de carro para Dondo, uma cidade a 20 km de Beira, onde moram dois outros missionários do projeto. Um outro grupo teve de ir de transporte público (chapa) para lá. Chegamos mais ou menos às 6 horas na casa deles, onde tomamos o café da manhã. Depois, fomos a Beira para comprar remédio contra a malária (para o caso de alguém ter contraído a doença). 




De lá, fomos a uma praia a uns 50 km de Beira, chamada Savane, o retiro dos missionários que moram naquela região (aliás, alguns missionários se juntaram a nós no passeio). Para chegarmos lá, tivemos de passar por uma estrada de areia mal conservada e fazer um pequeno passeio de barco para a praia. 



Todo este trabalho valeu a pena: a praia é linda, e está praticamente virgem, com muitos poucos turistas. Não tinha roupa de banho, mas, para dizer a verdade, não fez muita diferença: a água estava fria. Só caminhei um pouco e visitei a parte da praia onde os pescadores moravam e pescavam. O almoço era bom e barato, e comemos pescado e camarão. 



Saímos da praia no meio da tarde e fomos a Beira, onde tinha artesãos que vendiam artesanato local. O preço não era muito barato e muitos ficaram desconfiados por causa de algumas esculturas que pareciam demônios, mas alguns de nós compraram, mesmo assim. 

Ao voltar à casa do casal de missionários, tivemos uma reunião com os moçambicanos que ajudaram a registrar o projeto no governo de Moçambique: mais uma vez, tivemos de nos apresentar. Após o culto, comemos e bebemos.

O dia seguinte, finalmente, era o dia de sair de Moçambique. Teve uma reunião de manhã com alguns missionários de Beira, que terminou em um café de manhã. Depois, fomos à sede da Jocum onde fizemos o teste da malária: todos tiveram de furar o dedo. O resultado, felizmente, deu negativo para todos. Ao chegar ao aeroporto, não tivemos problemas nem na alfândega e nem no check-in (apesar de o peso das malas ter ultrapassado o limite), após um almoço leve, despedimo-nos dos missionários. O vôo para Johannesburg também foi bastante tranquilo; chegamos no final da tarde e fomos recebidos por um outro missionário amigo do líder do projeto. Fomos levados à igreja onde ele e a sua família moravam e, após jantermos e conversarmos bastante, fomos dormir.


28 e 29 de julho – Johannesburg

A estadia em Johannesburg, a maior cidade da África do Sul, foi mais para fazer compras. Passeamos pelo centro da cidade e paramos para visitar um shopping de muçulmanos (Oriental Shopping). Havia tanta variedade e os preços eram tão bons que acabamos passando a manhã toda ali. De lá, fomos a uma outra loja de bugigangas, onde compramos mais bugigangas. 



Dali, iríamos ao museu do Apartheid, mas o museu estava fechado; então, fomos a um cassino ao lado, onde iríamos almoçar. Tanto luxo, tanta ostentação, em contraste com o que presenciamos em Moçambique... pena que tudo isso foi construído sobre algo que tem escravizado o homem. 



Após o almoço, fomos a um atacadista (Makro), onde fizemos o resto das compras. 

Voltamos à casa no final da tarde, às 5 horas, uma vez que, por questões de segurança, não é recomendável ficar na rua após este horário. Apesar de ser uma cidade desenvolvida, Johannesburg é considerada a cidade mais violenta do mundo.

Durante a estadia na igreja, o missionário e a família compartilharam a situação deles na África do Sul: eles estavam pastoreando uma igreja de língua portuguesa, frequentado por portugueses, angolanos e moçambicanos. Com a xenofobia que tem incitado os sul-africanos contra os estrangeiros, muitos saíram do país, e a igreja diminuiu em frequência. Eles estão planejando voltar ao Brasil no final do ano, fazer  tratamento médico e esperar a direção de Deus no próximo campo para ir. No dia anterior à volta ao Brasil, à noite, oramos por eles e trocamos os nossos endereços de e-mail.


A volta ao Brasil foi tumultuada: ao chegarmos ao check-in, fomos informados que tinham reservado mais que a capacidade do avião e, por isso, tivemos de ficar de fora. Ficamos hospedados em um hotel próximo por aquela noite, pois o próximo vôo era só no dia seguinte. Não fizemos muita coisa durante aquele dia além de fazer compras: visitamos uma loja de artesanato e um shopping center, e passei a noite lavando roupa. 


No dia seguinte, no aeroporto, fizemos mais um pouco de compras, antes de embarcar no avião para Guarulhos. A viagem foi mais longa que na ida, e chegamos muito cansados em Guarulhos. Não encontramos as malas na esteira e, ao reclamarmos, fomos informados que as malas tinham chegado no vôo anterior: foi um alívio, pois já estávamos pensando que as malas tinham sido extraviadas. Aos nossos colegas de viagem que tinham de ir a Uberlândia, houve ainda um outro transtorno: não foi possível embarcar no mesmo dia; por isso, eles tiveram de passar uma noite em São Paulo. De qualquer forma, graças a Deus, chegamos bem, apesar dos transtornos.


Minhas impressões:


Moçambique

Moçambique é um dos países mais pobres do mundo. Foi uma colônia de Portugal até o final da Segunda Guerra, a partir da qual ela tornou-se independente, mas foi governado sob o regime comunista. Logo entrou em uma guerra civil que só terminou há dez anos. O país lentamente vem tentando se recuperar da guerra, embora ainda esteja tecnicamente sob o comunismo.


Moçambique é um país bastante pobre e atrasado: eu via as condições que os meus pais falavam que passaram na infância deles, na zona rural: falta de saneamento básico; água tirada do poço, homens;  mulheres e crianças caminhando nas estradas carregando bebês, água em baldes, palhas e gravetos, carvão e outras coisas; escassez de alimentos; banho tomado com balde e caneca; banheiro sem assento sanitário. Em todos os aspectos – saúde, educação, alimentação, conhecimento bíblico – existe carência.


Pela percepção dos missionários, em Moçambique a corrupção e a burocracia são generalizadas, e os estrangeiros não estão livres disso. Muitos processos só vão para frente se é pago uma propina. Carros são parados por policiais e sempre se encontra um motivo para multar o motorista, na espera que se pague  propina para o policial. Muitas vezes, os caixas eletrônicos não dão o dinheiro retirado, mas a transação aparece no extrato, e não há nada que se possa fazer sobre isso. É necessário bastante paciência e firmeza para não ser parte desta sujeira.


Outra impressão que eu tive é que a maior fonte de renda do país é a miséria, e o país só sobrevive com doações vindas de fora. Isso é tão maligno que o governo não tem interesse em desenvolver o país: se isso acontecer, as doações acabam e, assim, também a oportunidade de se desviar recursos. Parece-me que  tudo o que melhorar a vida deste povo consideravelmente irá se esbarrar nas teias da burocracia, exatamente por este desinteresse.


“Se quiser ir depressa, vá sozinho, mas, se quiser ir longe, vamos juntos” foi um provérbio africano bastante repetido, tanto no treinamento como durante a viagem. Quando vimos a realidade da terra, entendemos  melhor o que isso queria dizer: tudo ali é devagar, e até as balsas fecham para almoço. O ritmo de vida naquele lugar é quase insuportável para alguém que sempre viveu correndo atrás do relógio. Durante a viagem, tivemos mais tempo livre do que tempo para ver algum projeto funcionando. Os projetos que conhecemos parecem não ter prazo para terminar nem metas a cumprir, e dá-se a impressão de que pretendem colher os frutos do trabalho só na próxima geração. Acho que eu não aguentaria ir junto ...


O povo moçambicano


Mesmo assim, a primeira impressão ao chegar a Moçambique foi o de um povo dócil, aberto, alegre e acolhedor; em vários aspectos, muito parecido com o Brasil. No entanto – os missionários nos alertaram – eles tem problemas com integridade e, por isso, não são pessoas em quem se possa confiar (isso faz parte da cultura deles). Os missionários não podem morar onde eles moram, se não quiserem ser roubados (se não acontecer coisa pior). Eles também não podem colocar os filhos na escola pública: muitas meninas precisam fazer sexo com o professor para passar de ano. Eles também não podem ter amigos moçambicanos de verdade: sempre é necessário ter um pé atrás, pois eles não têm problemas em trair a sua confiança. Um missionário nos disse que o moçambicano trabalha bem quando é maltratado pelos munhés (os muçulmanos da região), mas que, quando você o trata com respeito, o trabalho fica mais desleixado.

Outra característica é a dificuldade em aprender. É difícil tirar aspectos da cultura que existem por séculos e já fazem parte da vida deles. É necessário muita paciência para convencê-los de que é melhor mudar as técnicas de plantio, que é melhor mudar os hábitos sexuais para prevenir contra a AIDS, ou que há várias maneiras de se preparar o milho na alimentação. Novos ensinos esbarram em tradições, superstições, e mesmo na preguiça – neste país, tudo parece andar a passos de tartaruga.


Mesmo com todos os problemas e toda a carência, os moçambicanos parecem viver, cantar, dançar e vibrar como se tivessem tudo. Na face deles não vejo revolta, como aqui no Brasil nem resignação, como na Índia: vejo alegria. No meio da carência, o povo sabe celebrar a bondade de Deus como nenhum outro. Talvez seja esta a razão pela qual um dos missionários disse que, mesmo que sairmos da África, a África nunca irá sair de nós.


Os missionários

O principal motivo pela qual eu decidi ir para a viagem a Moçambique era que eu estava considerando a possibilidade se tornar-me um missionário em tempo integral na África. Por isso, eu me atentei muito à vida de um missionário. 

Até antes de ir a Moçambique, a minha visão do missionário era, digamos, romântica. Talvez influenciado por aquilo que é pregado nas igrejas e pelas biografias de missionários como Hudson Taylor, David Livingstone ou Adoniram Judson, eu via o chamado missionário como o mais nobre de todos, heróico até, O missionário transcultural era a pessoa que deixava o conforto do seu país natal para se aventurar em um país estranho, buscando viver, compreender e sentir a carência do povo, sofrendo perigos e privações, por amor a Deus, a sua obra, e ao povo a quem ele tinha ido servir.


A minha primeira impressão sobre os missionários foi de choque, pois o queeu vi parecia ir contra tudo o que eu acreditava que era uma missão. Por causa deste choque, escrevi alguns comentários bastante fortes sobre a vida dos missionários na África, que causaram mal-estar dentro do projeto e resultou na minha saída do projeto. Após quatro anos, creio que eu vejo as coisas de forma diferente, e achei que deveria reescrever os meus comentários.

De fato, os missionários não são os super-heróis que eu imaginei que seriam. Nem todos tem a coragem de ir às últimas consequências para alcançar o povo que eles estão servindo, como eu lia nas biografias dos missionários. Também, não se pode negar que existem missionários que foram para a obra missionário por um chamado de Deus para servir ali. Mesmo assim, cada um dos missionários precisou dar algo de si para estar ali, na África, para servir.

Os missionários que conhecemos viviam confortavelmente, comparando-se com o padrão de vida de Moçambique, e mesmo ao padrão do Brasil. Nenhuma facilidade da vida moderna faltava: água, esgoto, luz, telefone, TV a cabo, internet de banda larga, escola particular, empregados, carros na garagem e férias no exterior. A carência deles estava em uma outra área, semelhante à que eu sentia quando eu vivia nos Estados Unidos: o fato de estar em uma terra estranha, sem a família por perto e sem poder confiar no povo daquele país.

Também, o que eu imaginava sobre os missionários vivendo no meio do povo e interagindo diretamente com eles não era verdade. Quem já foi a um país extremamente pobre sabe como a pobreza nos oprime e nos intimida, a ponto de desejarmos o mínimo de contato com eles. Esta é a nossa tendência natural, pois isso nos mostra explicitamente a injustiça deste mundo e como somos favorecidos com esta injustiça (para não dizer culpados). Alguns missionários tentaram estar no meio deles e viver como eles, mas pagaram um preço alto por isso: tiveram todos os seus bens roubados por eles. Por isso, os missionários normalmente moram em bairros de classe média alta e vivem como estrangeiros naquela terra. Por causa desta dificuldade de alcançar os moçambicanos na realidade em que estão, muitas agências missionárias, inclusive este projeto, tem investido mais em missionários "autóctones", que são da própria terra e que convivem na realidade do povo de lá.

Depois da viagem, eu saí de lá com a convicção de que não poderia ser um missionário ali. Hoje vejo que foi mais por covardia do que com o que eu encontrei ali. Talvez eu estivesse disposto a ir para lá e viver como moçambicano para ganhar os moçambicanos, mas não estava absolutamente disposto a expor a minha esposa e filho nesta aventura. Por isso, olhando o modo como os missionários viviam, eu fiquei aliviado, vendo que não seria tão difícil viver como um missionário comum. 

No entanto, algo incomodou-me muito nesta história: eu não sei se conseguiria aceitar viver como um missionário comum. Não sei se conseguiria ir de igreja em igreja pedindo o meu sustento de irmãos que passam por mais privações que eu passaria. Não sei se poderia aceitar trabalhar como um moçambicano e ter o estilo de vida de um americano. O meu maior problema foi de um conflito de consciência, da possibilidade de fracassar, e de não poder estar à altura das expectativas dos irmãos que estariam me sustentando. 

Hoje, vejo a minha decisão de não seguir a carreira de missionário e continuar na carreira de engenheiro como uma decisão covarde e egoísta. Por mais que os missionários que eu conheci não fossem super-homens e eu não visse neles um motivo de inspiração para dizer "sim" ao chamado de Deus, eu disse "não" por medo. Por algum motivo, não vi muito o sofrimento, as carências, as necessidades e as oportunidades de servir a este povo: eu vi mais a incapacidade dos missionários e a minha incapacidade de alcançar o coração daqueles que estava tentando servir.

A viagem

A viagem a Moçambique não foi barata (especialmente porque estávamos viajando na alta temporada) e foi cansativa, mas, valeu a pena para mim. Para a Martha, talvez não tenha valido a pena, pois ela e o Raphael praticamente só saíram de casa para fazer compras. Ela sempre sonhou em ver a África e viu a  África, mas não a África que ela esperava ver.


Para mim, o ponto alto da viagem foi o seminário de Ile, onde Deus mais falou comigo através daquele povo. A experiência deste seminário certamente edificou muito mais a mim do que àqueles seminaristas, que receberam as migalhas que caíam da mesa (agora entendo melhor o elogio de Jesus àquela mulher fenícia que ele comparou a um cachorrinho). Eu desejo que este povo se desenvolva e tenha melhores condições de vida, mas eu também desejo que o progresso não te deles o que eles têm de mais precioso, que é a alegria “de não ter nada, mas possuir tudo”.


Os outros passeios foram interessantes e valeram a visita, mas não tiveram para mim o mesmo impacto. Foram poucos os projetos que visitamos, e tivemos muito tempo livre. Creio que duas semanas seriam mais que suficientes para vermos tudo o que tinham para mostrar.


Ter-me hospedado com os missionários permitiu-nos conhecê-los bastante: os problemas, as alegrias, as paixões, os valores: talvez por esta "transparência", eu tive muitas observações a fazer sobre eles. Creio que ficamos tempo demais vivendo na casa de famílias que perderam um pouco de privacidade por quase um mês; mesmo assim, fomos muito bem recebidos. A família Fujimoto foi hospedada na casa de um missionário que não era do projeto, e que estava passando por uma fase difícil. Talvez por isso, todo comentário sobre Moçambique e os moçambicanos era negativo. Esta convivência provavelmente nos influenciou negativamente em relação ao trabalho missionário; mesmo assim, eu tentei levar isso em consideração e reter o que é bom.


Um aspecto da viagem que eu lamento não ter explorado foi a perspectiva do moçambicano. Eu quase só conversei com os missionários brasileiros e, por isso, eu só vi um lado da moeda. Aprendi sobre Moçambique, os moçambicanos, a cultura, tudo na perspectiva dos brasileiros que tinham se estabelecido lá como missionários de carreira. Algumas conversas curtas com os missionários da terra deram-me a impressão de que eles teriam algo diferente a falar sobre estes mesmos assuntos.


Quando me convidaram a ir, foi-me dito que eu iria somente para “espiar a terra”. Eu relutei em ir pois achava que não estava preparado: espiritualmente eu não estava bem, precisávamos de um tempo em família, e achávamos que teríamos uma batalha espiritual pela frente. Mesmo assim, acabei indo. 


Realmente, para espiar a terra não há necessidade de preparação: você observa, critica, analisa e tira conclusões. No entanto, creio que a viagem teria sido muito diferente se estivesse preparado. Veria a viagem de uma outra maneira, não com olhos críticos (um traço de personalidade muito forte em mim), mas com olhos de graça e compaixão, buscando onde poderia ajudar nas carências e nas dificuldades. Teria sido muito mais usado como instrumento de bênção e, quem sabe, teria até se apaixonado por este povo. Quem sabe ...